Há muito tempo todas as pessoas viviam no céu. Alguns ainda estão lá. São, segundo os Cayapos, as estrelas.No tempo da vida celeste, um velho, numa caçada, observou um tatu e começou a persegui-lo. O tatu, para refugiar-se, se enfiou terra adentro e o homem foi atrás, cavando cada vez mais fundo para apanhá-lo.O homem cavou o dia todo e não conseguiu pegar o tatu. Cansado, voltou para casa. Mas no dia seguinte, recuperadas suas forças, recomeçou a cavar novamente.Dizia à mulher:– Quero pegar esse tatu!O homem, então, cavou durante oito dias. Ele estava quase apanhando o tatu quando o animal caiu na fundura daquele buraco. Era um buraco tão fundo que se podia gritar lá de baixo sem que quem estivesse em cima pudesse escutar.O velho o viu descer como uma pedra. Caindo, caindo, caindo… Até que o tatu caiu num grande campo e correu em direção a uma floresta. Assustado, o homem alargou o buraco para olhar melhor que mundo era aquele em que o buraco havia dado. Mas o vento que saia de lá estava tão violento que o empurrou de volta à superfície.O vento continuava a soprar pelo buraco, aumentando cada vez mais a abertura.Quando o velho voltou à aldeia, os outros lhe perguntaram onde estava o tatu que ele tanto perseguira. E ele respondeu:– Caiu numa terra debaixo da nossa! Uma terra coberta de florestas. Mas o vento vindo de lá soprou e me trouxe de volta para cá.A história foi discutida no ngobe, a casa dos homens. Como a história havia se espalhado, fez uma assembléia para discutir a verdade ou não do acontecido. Os homens mandaram um meokre, que é um menino de 13 a 14 anos, um adolescente, buscar o velho para que ele contasse o que lhe acontecera.Toda a assembléia resolveu ir ver o buraco. O vento o alargara e dava para ver os belos campos. Tomados pelo desejo de descer, os homens juntaram todas as cordas e fios de algodão que possuíam. Fizeram uma corda única. Uma única e grande corda, que experimentaram no outro dia, mas que ainda era curta tamanho o caminho do buraco.Com outras pontas de fios e pedaços de seus próprios cabelos, os homens encompridaram a corda até que ela alcançasse a terra. Um menino pequeno quis ser o primeiro a descer.Amararam-no bem e o fizeram escorregar. O vento o empurrava de um lado para outro. Enfim, ele chegou aos campos. Achou-os belíssimos e subiu novamente. No céu ele disse:– Os campos lá embaixo são lindíssimos, vamos viver lá!Fizeram-no descer mais uma vez e ele amarrou a extremidade inferior da corda numa árvore.Então, homens, mulheres e crianças escorregaram ao longo da corda como formigas descendo por um tronco. Mas muitos não tiveram coragem de descer. Preferiram ficar no céu. E cortaram a corda para impedir mais uma descida. Eles ainda estão lá, olhando para baixo, velando do alto pelos filhos dos filhos dos filhos dos que aqui estão.
A humanidade desce à terra. “Descente dês hommes sur la terre”. In: Métraux, A. Mythes et contes dês indiens Cayapo (Groupe kubem-kran-kegn). Revista do Museu Paulista
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Quem me contou foi um professor de história, ainda quando eu cursava o ensino médio. Ele falava sobre a similaridade entre os mitos de criação das diferentes nações indígenas pelo mundo. E agora, numa ocasionalidade, me deparei com o texto publicado num livro da antropóloga Betty Mindlin.
Não podia ter vindo em melhor hora. Coloco-o como minha primeira contribuição ao blog Enredos da Terra. Contribuição muito propicia, por sinal.
Esta é uma narrativa sagrada. Aliás, como todos os mitos, esta narrativa representa a verdade existencial dos Cayapo.
Reparem que logo no início, a narrativa diz que todas as pessoas viviam no céu. O céu, lugar do divino, era a morada do povo. E num determinado momento, um animal, neste caso o tatu, propicia aos Cayapo ainda num estado de pura divindade, o conhecimento da existência de uma terra abaixo da deles. O conhecimento de uma terra cheia de florestas. Uma terra livre.
Este mito, assim como outros, trás para a terra os homens que viviam como “Deuses” no céu. Trás para terra os homens da terra. Para que eles contem e recontem essa história. A história de como seu povo, de origem celeste, chegou na grande floresta. A história dos descendentes das estrelas. Enredando cada um na sua própria trama.
Apreciem sem moderação.
Gostaria de um resumo desse texto ou conto “A humanidade desce a Terra” para que eu possa compreender melhor.
Priscila, esse conto é curto! Acredito que vale a pena lê-lo na íntegra como está aí.